domingo, 23 de setembro de 2007

Rosa Nunes: o que o pernilongo deixa ver

O pernilongo. Poisa sobre as águas do estuário e, em movimentos de geometria fina numa dança de requinte, procura o alimento e parte. Depois, é vê-lo no ar, qual fernão capelo gaivota, afagando o vento, em genial acrobacia. O caminhar sobre as águas e o voo livre do pernilongo constituem as duas sequências fotográficas (de 16 e 10 momentos, respectivamente) que iniciam a exposição intitulada “Águas do silêncio”, de Rosa Nunes, inaugurada ontem e ao dispor do visitante até 24 de Novembro, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (Av. Luísa Todi, Setúbal).
Depois da abertura de portas pelo pernilongo, a convidar-nos para um estuário onde a Natureza sugere arte, há mais dúzia e meia de fotografias que reflectem o passado e o presente do estuário do Sado, ora através das águas na sua função (também) especular, ora através da paisagem. E passam os olhos pelos sapais, pelo sal, pela pesca, pela avifauna local, pelas lamas e lodos, pelas marés, pelo património ambiental, pelo património construído, por pontos como Gâmbia, Carrasqueira, Barroca d’Alva, Faralhão e… pela indústria pesada, que se instalou no estuário (quando podia ser perto, mas fora dele) e que tem contribuído para a alteração das suas condições para pior.
Momentos de pausa ao lado de águas e paisagens inócuas que foram violentadas na sua essência e no seu ser, “águas de silêncio” que albergam segredos (de histórias) de vida, imagens com a calma das horas mortas que deixam que o espectador se desvaneça com as visões (que podiam ser) do paraíso, mas também fazendo com que se interrogue, fica destas fotografias a sensação de olhares sobre a beleza, mas também sobre a preocupação com a vida, com o mundo que (re)construímos ou que destruímos. Trata-se, assim, de uma exposição que acalenta a intenção estética, mas também abraça uma leitura pedagógica do ambiente e do meio, concretamente da área estuarina do Sado. À saída da exposição, o visitante cruza-se novamente com o pernilongo, dono de um andar e de um voo que permite um olhar ecológico sobre o (seu) mundo e que para isso nos lança o convite.
Antónia Coelho Soares, autora do nome Rosa Nunes com que assina a sua fotografia, é natural do Torrão (n. 1955), vive em Setúbal e trabalha na área da arqueologia. [fotos a partir do catálogo]

1 comentário:

argumentonio disse...

1 - o convite do pernilongo é de aceitar!

2 - parabéns ao post e ao blog!!

3 - a água habitada, o raro silêncio e o apelo à sensibilidade partilham uma respiração humanizada e de respeito mútuo entre os seres na evocação, invocação e inspiração da poesia em imagem que Antónia Rosa em boa hora oferece!!!