sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Escola: o pensado e o vivido

No Diário de Notícias de ontem, Maria José Nogueira Pinto escreveu sobre o ensino a partir do princípio tradicionalista de que “educar é contrariar”. Em tempo em que a escola é universalmente debatida, sobretudo porque os “media” agendam essa discussão em função do já familiar ranking anual e porque, neste ano, houve a conjugação temporal com a aprovação do novo “Estatuto do Aluno”, vale a pena um olhar sobre as ideias expressas, que pretendem encontrar justificação para aquilo que causa os abalos no ensino, sobretudo no ensino público. As ideias manifestas podem ser mais lineares do que aquilo em que se sustentam, mas ligam a actual situação ao contexto histórico dos últimos anos. E, provavelmente, haverá muita gente a subscrever esta análise. Eis o essencial desse texto:
1. “Toda a polémica em torno de duas questões - o ranking das escolas e o novo regime de faltas - obriga a refrescar a memória sobre quais foram, nos últimos trinta anos, os pressupostos filosóficos do modelo educativo português.”
2. “Durante trinta anos, diabolizaram-se os valores da autoridade, do rigor, da exigência e da disciplina. O esforço e o mérito, factores que diferenciavam os melhores dos piores, foram tidos como uma ameaça à pureza dos dogmas da bondade natural e da igualdade.”
3. “O pensar, o exercício sistemático do raciocínio, o ginasticar do cérebro como única forma de o fortalecer, tudo isso era contra-indicado: aborrecia os alunos, acentuava as diferenças, revelava o potencial e o esforço de uns e o desinteresse ou incapacidade de outros, o mérito e o demérito.”
4. “O objectivo deixou de ser o de educar e ensinar. A escola tornou-se um entreposto de todos os problemas, desde os meramente burocráticos até aos eminentemente sociais. Sobre o emaranhado legislativo, as instalações sem condições e a falta de orçamento, caíram as circunstâncias dos próprios alunos: a fragilidade das redes familiares, a solidão, os comportamentos aditivos, a pré-delinquência, o abandono.”
5. “Actualmente, as circunstâncias específicas das escolas públicas, que não podem fechar-se à massificação, não podem seleccionar os seus alunos, se desgastam a resolver problemas a jusante e a montante, não têm autonomia organizativa e reflectem as ameaças da sua envolvência externa, impedem-nas de disputar rankings.”
Podemos tentar ligar este arrazoado com situações vividas na Escola. Mencionarei uma, que uma professora me fez chegar via e-mail, depois de ler uma "Carta Aberta ao Presidente da República" que circula na net, assinada por Domingos Cardoso, um docente de Ílhavo, a propósito de turmas de CEF (Cursos de Educação e Formação). O testemunho desta professora, curto, dá bem nota de problemas que a Escola pública tem de resolver, mesmo que os professores nunca tenham tido qualquer apoio na gestão de situações semelhantes. É que os CEF foram (bem) pensados, mas partindo do princípio de que os alunos eram os primeiros interessados, os primeiros actores e os primeiros a pugnar pelo interesse dos cursos... Dou-lhe então a palavra:
"Eu tive um CEF no ano passado e outro neste ano. As intenções da criação dos CEF (e dos cursos profissionais) são excelentes, mas na verdade acabamos por empurrar para estas turmas alunos que não têm o perfil desejado. O perfil devia ser: alunos com vontade de trabalhar, de se empenhar em fazer alguma coisa da vida, mas que não têm vocação para o ensino tradicional, nem querem prosseguir estudos (apesar de se lhes dar a oportunidade de o fazer no fim do curso, se depois o desejarem). O perfil dos alunos que na realidade vão para estes cursos é: os que se fartam de chumbar e não conseguem acabar o 9º ano. Ora neste grupo, tanto estão os que querem fazer algo da vida, como os outros que não ligam nenhuma a nada (ou porque são mesmo mandriões ou, na maioria dos casos, miúdos com situações familiares dramáticas, mesmo muito complicadas, que já achamos que é muito bom eles estarem a vir à escola mesmo que seja para “partir tudo”). A estes últimos, seria bom dar-lhes primeiro um ano ou dois de apoios psicológicos, apoio familiar, etc... programas que existem, mas não nas escolas. Programas que são orientados por técnicos especializados em segurança social, em psicologia e outras coisas, mas não por professores cuja formação não está orientada para esse tipo de trabalho (por vezes, por muito boa vontade que se tenha, há situações face às quais não sabemos como agir). Na minha opinião, para estes casos dramáticos, o Ministério da Segurança Social devia ser responsabilizado, antes do Ministério da Educação."

1 comentário:

Chapa disse...

Nesta aventura dos blogues, vamos tendo os encontros mais inesperados. Prazer em encontrar-te por cá.