domingo, 13 de janeiro de 2008

Miguel de Castro, 83 anos, hoje

Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925. O poema que reproduzo é retirado do primeiro livro de Miguel de Castro e tem o título do próprio livro:

Fruto Verde

Nada me diz o fruto da tua boca.
Apenas as tuas mãos frias e calmas
roçam a minha face, na tristeza
inútil de se darem…

Mas a beleza adivinhada e pressentida
por mim, na tua boca que não sabe amar,
vai enchendo os momentos da minha vida
com promessas de luar!

Nada me diz o fruto da tua boca…
- Mas longe vem, ainda, a Primavera!


A propósito de Miguel de Castro, ainda na edição de ontem de Sem Mais Jornal, o actor setubalense Carlos Rodrigues (mais conhecido por "Manel Bola"), à pergunta "Há alguma figura regional que lhe mereça rasgos de elogios?" respondeu: "Sim, o poeta - infelizmente pouco conhecido - Miguel de Castro. É, sem dúvida, um dos maiores poetas setubalenses, a caminho dos 90 anos, que se encontra muito doente. Editou um livro de sonetos fantástico. Este homem merece uma homenagem." Palavras justas as de Carlos Rodrigues! Para já, parabéns a Miguel de Castro!

[fotografia de Miguel de Castro a partir de Guia de Eventos. Setúbal: CMS, Mar.2007, nº 29]

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