domingo, 17 de fevereiro de 2008

Depois de ter escrito ao Presidente da República, Domingos Cardoso escreve ao Procurador-Geral da República, tendo a escola como motivo

Em Novembro do ano passado, pouco tempo antes de se aposentar, Domingos Freire Cardoso, professor de Físico-Química em Ílhavo, escreveu ao Presidente da República, traçando o retrato da vida na escola, depois de um discurso presidencial no 5 de Outubro em que a educação foi tema forte. O teor dessa carta correu por "e-mails" e pela blogosfera.
Agora, com data de 11 de Fevereiro, já aposentado, Domingos Cardoso volta à liça. Aposentado, mas não ausente nem demissionário; aposentado, mas cidadão que enaltece a profissão que teve e com que continua a preocupar-se. Desta vez, o destinatário foi o Procurador-Geral da República.
Transcrevo a carta, porque Domingos Cardoso ma fez chegar.

Carta aberta ao Sr Procurador-Geral da República
Ílhavo, 11 de Fevereiro de 2008

Senhor Procurador-Geral da República

Excelência:

Temos assistido, nos últimos tempos, a uma campanha de desmoralização, desautorização e humilhação dos professores.
Esta tentativa de “diabolização” dos professores assenta em duas mentiras:
Primeira - sendo funcionários públicos são gastadores dos impostos de todos os cidadãos (como se eles os não pagassem também);
Segunda - não fazem nada, trabalham pouco, têm muitas férias e os alunos não aprendem.
Debrucemo-nos sobre a segunda porque a primeira não merece a atenção de ninguém minimamente inteligente.
A - Aposentei-me no dia 1 de Novembro do ano passado e só no dia 21 de Janeiro deste ano entrou ao serviço um novo professor para me substituir.
Isto quer dizer que as cinco turmas que eu tinha (quatro do 1º ano dos Cursos de Educação e Formação - CEF e uma do segundo ano dos mesmos cursos) estiveram mais de oito semanas sem aulas de Ciências Físico-Químicas ( quatro semanas em Novembro, duas em Dezembro e duas semanas e dois dias em Janeiro).
Isto significa que, no primeiro ano, os alunos perderam, no mínimo, 24 tempos lectivos de 45 minutos cada (três por semana) e no segundo ano perderam, no mínimo, 16 tempos lectivos de 45 minutos cada (dois por semana).
Acresce o facto de no segundo ano a parte lectiva terminar no dia 31 de Maio para os alunos entrarem em estágio no dia 1 de Junho. Como terá de ser cumprido um número fixo de horas predeterminado o novo professor terá de dar aulas na Páscoa, aos sábados e, provavelmente, também aos domingos. Afinal, os professores nem são assim tão maus já que deles até se espera que façam milagres… No fim os alunos passam na mesma e foram quase três meses de vencimento que o governo poupou.
Mas desta falta de respeito que o governo mostra pelos professores, alunos e suas famílias o povo não sabe porque não convém que saiba para não estragar a imagem de sucesso tão querida dos governantes.
Quem pede contas ao governo por mais de oito semanas de aulas perdidas e por mais de dois meses e meio para a substituição de um professor? Quem é responsável por tamanha incompetência? Em que normas, regras, procedimentos, directivas, despachos e portarias esteve retida a simples substituição de um professor? Na classificação do desempenho do governo que nota lhe seria atribuída?
B - Quando os professores começarem a exigir cumprir as 35 horas de trabalho na escola, as escolas ficarão bloqueadas.
De facto, onde está escrito no contrato de trabalho entre o governo e um professor que o seu escritório será uma extensão da escola sem que receba pagamento pelo aluguer? Onde está escrito que terá de usar o seu computador, o seu tinteiro, a sua impressora e outro material no serviço da escola?
Quando os professores começarem a exigir gabinetes para preparem aulas, corrigirem testes, computadores para planeamento de aulas e elaboração de testes e relatórios onde estará o espaço para os albergar?
C - Se a progressão dos professores na sua carreira passar a depender, também, das classificações obtidas pelos alunos, Portugal correrá o sério risco de se transformar na aberração de ser um país só de génios com um QI, no mínimo, igual ao de Einstein.
De facto, qual será o professor que correrá o risco de dizer que, dos seus alunos, cinco, três, ou mesmo um só, não conseguiram transitar de ano? Um professor, tal como qualquer outro mortal, tem uma casa para pagar e uma família para sustentar e se o governo quer que o aluno passe mesmo sem saber, assim será feito.
Cairemos, então, no poço sem fundo da maior mentira e da maior vergonha do ensino público.
Se actualmente, nos CEFs, os alunos podem fazer o que lhes apetecer porque nem as faltas disciplinares assentes em participações relatando os comportamentos impróprios dos alunos aparecem registadas nas pautas, como se nada tivesse acontecido, para que é que hão-de estar com atenção e esforçarem-se nas aulas para aprenderem e assimilarem comportamentos sociais correctos se, no final do ano, o professor irá vender a sua assinatura a troco de pão na mesa? E quem lho poderá levar a mal já que é o governo que para isso o empurra encostando-lhe a faca ao peito?
Quem quer acabar com a dignidade dos professores? Quem quer destruir o ensino público? Quem anda a brincar com os professores, os alunos e as famílias? Quem anda a hipotecar o futuro do País?
Os professores não são, de certeza.
Agradeço que mande alguém investigar.
Grato pela atenção
Domingos Freire Cardoso (Professor aposentado de Ciências Físico-Químicas )

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