sábado, 23 de fevereiro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 77
Entrevista – A entrevista do Primeiro-Ministro na SIC revelou-se um acto de loas ao governo a que preside, em que até não faltou a possibilidade de o entrevistado fazer perguntas e responder-lhes ou de dizer aos entrevistadores que estavam a fazer as perguntas da oposição, como se ser oposição fosse crime ou, pelo menos, pecado. Pode um entrevistado seguir muitas técnicas de comunicação e ser assessorado por bons trabalhadores de imagem, mas isso não quer dizer que tudo esteja certo ou que a verdade seja só uma ou que seja a de quem fala. Também não sei se havia muito mais a esperar, mas uma coisa era desejada: que a entrevista não se confundisse com as emissões televisivas fabricadas.
Educação – A avaliação dos professores é importante, tal como são importantes muitas outras coisas para a escola e de que não se tem falado, como, por exemplo, uma reflexão sobre os curricula, sobre os programas e sobre a sua adequação à realidade, como, por exemplo, a união de esforços, por parte da sociedade em prol da educação e da valorização do trabalho e do estudo, sem a perspectiva do economicismo, mas sob a linha da humanização. E é esta última que tem faltado: o que tem havido é burocracia, vida transformada em papeladas e em exageros, suspeitas de preguiça e condenação antecipada da qualidade do trabalho desenvolvido, desvalorização da dedicação à causa educativa, omissão de uma responsabilidade colectiva no êxito da educação. Mesmo sobre a avaliação de professores, o que tem vingado no senso comum é a ideia da caça aos erros, numa linha muito pouco pedagógica e, sobretudo, muito pouco humana. Parece que não se está a falar de pessoas!...
Mal-estar – A SEDES, organização à beira de chegar aos 40 anos, divulgou ontem um documento que chama a atenção para o mal-estar em Portugal, em termos de democracia e de participação, em termos de “degradação da qualidade da vida cívica”. Questões como a falta de confiança dos cidadãos nos seus políticos (representantes de partidos) e a emergência de caciquismos, actuando em prol de interesses próprios e pondo na retaguarda a “promoção da qualidade cívica”, têm levado, segundo os signatários do documento, ao “empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica”. Por outro lado, o próprio Estado não fica isentado de culpas, uma vez que ele “tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada”. Preocupante ainda é o sentimento de insegurança generalizada, resultante de uma criminalidade contra a qual “não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade”. A SEDES prognostica a abertura do regime à sociedade civil, que tem de “escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral”, de forma “clara, transparente e, sobretudo, escrutinável” e os cidadãos “têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito”, sob pena de se poder chegar a um tempo de conflitos sociais intensos. Nada disto será novidade; mas é importante que a análise venha de uma organização como a SEDES. Os responsáveis partidários têm sido, infelizmente, cada vez mais os causadores do afastamento da discussão plural, com particular incidência nos que têm ocupado as cadeiras do Governo. Bastará ver o fosso que se cava entre os políticos e os eleitores logo que passa um acto eleitoral… Bastará ver o abismo construído para separar governo e oposição… como se não fôssemos todos cidadãos do mesmo país!

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