segunda-feira, 10 de março de 2008

A manifestação dos professores e os ângulos da democracia

Segundo o Público de hoje, o Primeiro-Ministro "disse compreender que os professores estejam a confrontar-se com muitas mudanças ao mesmo tempo, mas garantiu que não vai alterar o seu rumo". E o jornal continua, citando o discurso de José Sócrates: "As pessoas têm o direito de se manifestar. Mas era o que faltava se a acção governativa dependesse agora do nível das manifestações. (...) Quem determina a acção governativa são os portugueses quando escolhem o Governo. É bom que não nos esqueçamos disso".
Assumir estas coisas como verdade esconde uma outra verdade, que é a da demagogia assente no princípio das maiorias absolutas, porque se sabe muito bem que significativa parte dos eleitores não corre atrás dos programas eleitorais dos partidos mas atrás da fidelidade ao partido ou das circunstâncias histórico-políticas do momento.
A resposta ao Primeiro-Ministro surge, aliás, no próprio jornal pela pena de André Freire, na crónica "A democracia não se esgota no voto". De facto, para os ganhadores de eleições, a participação dos cidadãos parece esgotar-se no próprio acto eleitoral. Para os cidadãos, o desencanto quanto à participação mais passa por se confrontarem cada vez mais com a instrumentalização da participação, o que é um paradoxo, é claro. Ceda-se a palavra a André Freire, que escreve na sequência da manifestação de professores ocorrida no sábado, a mesma que, para o Primeiro-Ministro, parece resultar apenas de "um direito de se manifestar[em]" as pessoas:
"(…) Apesar de regularmente se lamentar a fraqueza da sociedade civil e se exortarem os cidadãos a fortalecê-la, nomeadamente para todos termos uma melhor governação, temos assistido recentemente a uma demonização dos sindicatos, que estão entre as maiores organizações da sociedade civil. Ou será que só os empresários representam a sociedade civil?
(…) Seria muito empobrecedor considerar o mecanismo eleitoral como o único veículo das funções de representação e de responsabilização. (…) Temos que concluir que a maioria absoluta tem levado o presente Governo não só a uma enorme arrogância na sua relação com os cidadãos, mas também a uma grande incapacidade de diálogo social. (…) Se algumas tendências de mudança na governação democrática europeia existem, nomeadamente dos anos 1960 para cá, elas vão no sentido de se defender e estimular uma crescente participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, muito para além do voto. (…) O uso de formas não convencionais será tanto maior quanto menos bem funcionarem os mecanismos tradicionais de concertação. Passando ao caso português, é imperioso concluir que a gigantesca manifestação de cerca de 100 mil professores não só demonstra uma enorme insatisfação de cerca de dois terços desta classe profissional, como evidencia que os mecanismos de concertação não têm funcionado, dando razão aos sindicatos. Mas esta manifestação, com pessoas de todos os partidos e quadrantes ideológicos (nomeadamente muitíssimos votantes PS, em 2005...), foi também uma grande lição de participação cívica. (...)
"
E, ainda no Público de hoje, Rui Tavares traça as linhas do conceito de "reforma", que não pode ser apresentado como algo contra as pessoas, sejam elas quais forem. O que lhe serve de ponto de partida é também a questão dos professores, assunto que poderá servir para que os políticos recebam lições (apesar de muitos entenderem que... não têm que receber lições de ninguém, esquecendo-se de que... assim também as não podem dar a ningém):
"(...) Reformas impopulares, claro está, só se conseguem com maioria absoluta. Ninguém quis ver o lado perverso desta lógica: com maioria absoluta não é preciso que as reformas sejam boas, basta dizer que elas são impopulares e que quem se lhes opõe é contra as reformas. Funciona, pelo menos no início.E quando precisamos da colaboração dos seres humanos lá em baixo? O problema é mesmo esse: as reformas fazem-se com as pessoas que temos, não com as que fabricamos. Insistir numa reforma apenas porque é "impopular" é uma desculpa fácil. Difícil é fazer uma reforma compreensível e motivadora para quem vai ter de participar nela. Mas às vezes é possível, e nesses casos é essencial.Um discurso que nos diz que todo o ensino público está mal não é nem nunca será reformista. O verdadeiro reformismo é realista: quer concentrar as suas forças no que está mal e não disparar em todas as direcções. E no ideal, o reformismo é progressista: só funciona quando dá às pessoas um horizonte de expectativas atingível e honesto. Quem quer um governo reformista não pode consegui-lo aliando-se à opinião mais pessimista e destrutiva, ainda que tacticamente. Se o fizer, começa com demonstrações de autoridade vácuas e acaba batendo com a cabeça no muro. Que isto sirva de lição ao PS."

1 comentário:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.