quarta-feira, 4 de junho de 2008

Como Raymond Depardon vi(ve)u o ano de 1968

Acabou o mês de Maio, em que os 40 anos sobre um outro Maio, o de 1968, foram tema tratado por toda a imprensa, com reescrita das histórias, depoimentos, evocações, análises e revisões (tudo ganhando fôlego também com o contributo de Sarkozy e da sua visão nada feliz sobre esse mesmo Maio). Em toda essa abordagem do Maio de 1968, de vez em quando, apareceram outras histórias do mesmo ano, a chamar a atenção para o facto de ele não se ter reduzido ao seu quinto mês…
Um contributo interessante, bom para a memória, lindo para a vista, foi o livro 1968 (que, no interior, traz mais completo título – 1968 – Une année autour du monde), de Raymond Depardon (Paris: Éditions Points, 2008), que inclui uma entrevista com o fotógrafo, feita por Philippe Séclier, e quase centena e meia de fotografias a preto e branco dos acontecimentos que Depardon acompanhou nesse ano, por si legendadas, num misto de recuo no tempo e de itinerário autobiográfico, onde não faltam as informações, as ideias e as histórias de uma vida (e de um ano).
A origem deste projecto é simples: convidado para fazer um livro sobre aquele mês de Maio, Depardon, que passara a maior parte dele fora de França, propôs-se reunir um conjunto de fotografias por si feitas no ano de 1968 a fim de ligar os acontecimentos de Maio ao contexto da época. E o resultado está à vista, com as fotos apresentadas por ordem cronológica de entrada no laboratório, escolhidas de um mais vasto conjunto de cerca de oito centenas e meia de negativos.
A série inicia-se em Janeiro, com Brigitte Bardot no aeroporto Bourget, onde embarcava para Espanha, com uma nota explicativa onde é dado, de imediato, o cunho autobiográfico: “Deux ans plus tard, c’est dans cet aéroport que j’accompagnerai Gilles Caron pour partir au Cambodge, dont il ne reviendra pas” (Caron, fotógrafo, co-fundador da agência Gamma com Depardon, foi assassinado pelos kmers vermelhos em 1970). Depois, é o desfile do ano: actrizes, cantores, gente do espectáculo, reis e princesas, desporto, Truffaut, Sylvie Vartan, Giscard, Miterrand, Dalida, primeiro transplante de coração em França, visita papal à Colômbia, manifestações contra o Vietname nos Estados Unidos, vigilância policial na Espanha franquista no 1º de Maio, Nixon, manifestantes pró-Luther King, Raquel Welch em Espanha (de onde Depardon teve que partir, com passagem por Portugal, para ida ao Biafra), Jogos Olímpicos do México e atitude dos vencedores negros quando levantam o punho com luva negra na recepção da medalha, de Gaulle, Juliette Gréco, Allen Ginsberg, Jean Genet… e tantos outros momentos e pessoas. Não faltam episódios de vida e de morte, de alegria e de sofrimento, de acção, de ficção; não faltam momentos de êxtase, de movimento, de políticos (“J’ai toujours aimé photographier l’homme politique, surtout en mouvement. Ce que je détestais le plus, c’était de le faire poser derrière son bureau.”) ; e não faltam também momentos de humor – em Agosto, depois de acompanhar Paulo VI na Colômbia, partiu para Chicago para fazer a cobertura da convenção democrata e um amigo arranjou-lhe um quarto - “les propriétaires me prêtent la voiture de leur fils parti en Europe. C’est une Coccinelle jaune, toute peinte de fleurs. Je revois encore la tête des policiers quand je suis arrivé à la convention, pour trouver une place de parking dans le carré de la presse”.
Retrospectivando o ano de 1968, certo é que o livro tem ligações com o Maio desse ano, mesmo apesar da ausência do fotógrafo nos momentos mais importantes de Paris, com recurso à memória do amigo Caron, que foi um dos bons fotógrafos desse Maio francês e que Depardon evoca várias vezes neste livro.
Raymond Depardon (n. 1942) começou a trabalhar como repórter fotográfico em 1958, esteve na agência Dalmas e, em 1967, foi co-fundador da agência Gamma; em 1977, com Sebastião Salgado e outros, passou a trabalhar na agência Magnum.

1 comentário:

Anónimo disse...
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