terça-feira, 15 de julho de 2008

Como a "pen drive" da Maia anda a agitar o mundo

A crónica intitula-se "O mundo inteiro numa pen drive", é assinada por Nuno Pacheco e vem no Público de hoje:
«Se julgavam que o último grito em matéria educativa eram os artifícios para simplificar os exames de Matemática e fazer de todo o aluno um génio em potência, esqueçam. Há mais e bem melhor do que isso. Na Maia, um sistema revolucionário vai permitir aos mais tenros rebentos em idade escolar andarem mais leves e deixarem de vez aquelas terríveis mochilas que os fazem parecer turistas de inter-rail. Além do mais, é simples e conciso. Basta pôr tudo numa pen drive. E a dita cuja no bolso. O velho Caderno Diário do tempo dos avós dará, assim, lugar a um novo Caderno Digital. A heróica tarefa tem já data de arranque e no próximo ano lectivo a felicidade invadirá o básico. Pelo menos os lugares (além da Maia) onde a tal pen drive substituir os pesados livros e cadernos.
Para quem não sabe o que é uma pen drive, digamos que é uma espécie de disco rígido de computador disfarçado de caneta. É pequena e tem vindo a ganhar memória, como se fosse uma esponja ou uma amiba. No curto espaço de escassos centímetros armazena-se hoje o que há 30 anos exigiria salas inteiras. É o progresso. E como deixar as crianças longe dele? De modo algum. Assim, tira-se-lhes peso das costas e põe-se-lhes tudo no bolso. "Menino, onde estão os trabalhos de casa?" "Tá tudo aqui na pen drive, stôr." E os cadernos? E os apontamentos da aula de ontem? Pen drive, claro. E os conteúdos, perdão, os livros? Na pen drive, onde haviam de estar? O projecto tratará do assunto.
E as canetas, os lápis, as borrachas, aquelas coisas que servem para escrever, para apagar, para rascunhar e escrever de novo? No museu. Porque agora há a pen drive. Escrever é só no computador, com teclas. À mão cansa. E a caneta pesa. E não cabe na pen drive.
Neste dilema revolucionário, os alunos vão começar a atirar para a pen drive tudo o que puderem. Até o lanche há-de um dia, miraculosamente, ser-lhes servido numa pen drive. Exagero? Esperem pelo futuro. Até lá, porque as coisas são assim mesmo, há que pensar em que ranhura vão os pequenos estudantes encaixar a respectiva pen drive. Terão um computador para cada um, certo? Ou vão fazer fila no computador único da aula, para descarregar a "mala" enquanto os outros ficam a ver? Dúvidas ridículas. Certamente que os autores do projecto pensaram em tudo. Como tornar produtivo tal sistema, como evitar que as crianças não tragam na pen drive o que habitualmente trazem (jogos, fotos, brincadeiras, etc.), como fazer disto tudo uma coisa eficaz e responsável. Sim, porque até os professores já trazem tudo o que precisam em pen drives. Eles e os gestores, os empresários, os corretores da bolsa. As pastas que trazem na mão é só para disfarçar. Na verdade, tudo aquilo de que realmente necessitam já vem no bolso, no disco de plástico.
Os anos que perdemos numa confusão de papéis! Agora, o admirável mundo novo das pen drives, além das maravilhas na redução de peso, trará conteúdos didácticos, quadros interactivos, jogos pedagógicos. Trará até interfaces da escola com a autarquia. E da escola com os pais. E de todos uns com os outros, que é para isso que estas coisas servem.
Se trará ou não melhores alunos é o que ninguém consegue ainda saber. Mas isso é porque ainda não conseguem metê-los em pen drives, embora o desejassem. Há-de chegar o dia e, nessa altura, serão mais portáteis. Em lugar das carrinhas para levá-los até à escola, bastará um distribuidor de pen drives. E com um saco bem pequeno. Quando finalmente dermos cabo do mundo, podemos deixar as sobras numa pen drive. Assim, os extraterrestres não terão dificuldade em encontrá-lo. Desde que tragam com eles um laptop, claro. Nas viagens intergalácticas, há que andar sempre prevenido.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois, até será interessante! Mas eu, da velha guarda, pensei logo: Então, e as mãozinhas cada vez mais inaptas? Já não moldam, pouco desenham, não cosem, não jogam ... Basta-lhes serem capazes de pegar na pen drive!
Na passada semana, conversava com um artesão na FIA em Lisboa que, falando das crinaças de agora com quem contactava através de um projecto, dizia «Não são é muito jeitosas de mãos».
Eu também acho e sou capaz de saber a razão!
PS: Nada contra as novas tecnologias! Tudo contra o desaparecimento de actividadse manuais!
MCT