sábado, 2 de agosto de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da auto-estima – 83
Escola – O ano lectivo chegou ao fim com a sensação generalizada de que foi mais desgastante do que outros, sobretudo pelo caminhar que o caracterizou, numa discussão com muito pouco sentido que nem ajudou a que as coisas fossem justas. No final, umas sessões de formação apressadas vieram tentar atenuar a pressão da avaliação do desempenho docente, com leituras nunca antes admitidas, dando a entender que se trata de uma invenção e de um sistema que vai ser benéfico, que vai ser construído pelos envolvidos, com insistência em tónicas como a transparência, a clareza e a abertura. Para se chegar aqui, bem poderiam os responsáveis ter pensado na formação em mais oportuno tempo, evitando desgastes e pressões que não facilitaram o ano lectivo e ajudando as escolas a construírem a sua avaliação de forma sensata e cordata! Cá estaremos para ver as voltas que ainda vão acontecer e as justificações com que vão ser fundamentadas.
Saramago – Mesmo próximo do Palácio Nacional da Ajuda, o carteiro acabava o café e dirigia-se ao balcão para pagar o custo do seu intervalo, quando viu prospectos da exposição sobre Saramago que no dito Palácio se mostrava. “Ah, não sabia! Mas sabe se está aberta ao fim-de-semana?” O homem do bar acenou que sim. “Tenho que ir lá ver… Não que seja leitor de José Saramago, mas sempre é um Nobel português e do meu tempo… Tenho que lá ir!” E arrancou, a completar o giro que lhe fora destinado, com a promessa de que ainda visitaria o que de Saramago se exibia. Não sei se o carteiro chegou a ir visitar Saramago ao Palácio. Mas, se não foi, perdeu uma bela oportunidade de se aproximar da formação da escrita, do processo por que se constrói um escritor, num mapa de referências culturais, sociais, históricas, num quotidiano de pesquisa, de labuta, de criação, num caminho em que se cruzam o teatro, a crónica, o jornalismo, o conto, o romance, a epistolografia, a política, a cidadania, a arte, numa saga entre o manuscrito, o dactilografado, o emendado e o produto final que um livro é, numa abertura em que os testemunhos dos leitores entravam também.
Agustina – “Dicionário Imperfeito” é o título do primeiro volume da colecção “opera omnia”, que vai reunir a totalidade da obra de Agustina Bessa-Luís e também o título do seu mais recente livro (Lisboa: Guimarães Editores). Constituído por pensamentos e aforismos retirados de textos não ficcionais de Agustina, este livro, organizado por Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira, contém essências da trama agustiniana que muito ajudam a compreender as suas personagens e que constituem, além do mais, um bom conjunto de reflexões sobre o homem e o viver do século. Como exemplo, a citação sobre a “pequena sabedoria”: “Eu sabia pouco de tudo. Ainda hoje sei muito pouco de tudo, o que me causa embaraço quando vejo a tremenda bagagem de conhecimentos que têm as pessoas. Se ouvirmos tudo o que se diz nos autocarros, nas praias, nas repartições, ao fim do dia podíamos escrever uma enciclopédia em vinte volumes e até ter êxito com ela. Não há nada de mais aceitável do que a pequena sabedoria, os amores confessáveis e as histórias de doenças.”
Se eu e tu – Os meus alunos fizeram tercetos a propósito de um poema com este título, de João Pedro Mésseder. Agora, em fase de arrumações, tropecei em alguns. Reproduzo três: “Se eu fosse água e tu fosses fogo / abraçava-me a ti / sem nunca te apagar.”; “Se eu fosse sol e tu fosses lua / iluminaria a tua noite / mesmo em dias de tempestade.”; “Se eu fosse folha e tu fosses árvore / amava-te para sempre / até cair aos teus pés.”

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