domingo, 7 de setembro de 2008

Eduardo Lourenço - "O homem que ensina Portugal a pensar"

O último número da revista Ler (Lisboa: Círculo de Leitores, nº 72, Setembro.2008) tem vários assuntos com interesse, como se pode ver na apresentação da capa, ao lado. Da entrevista que Carlos Vaz Marques fez a Eduardo Lourenço, em que pelos seus 85 anos passam a vida, a literatura portuguesa, o pensamento, a escrita, a leitura e o saber, apresento alguns destaques.
Livro – “O relacionamento com os livros – que vem de todos os livros que a gente lê quando é jovem – torna-os bocados de nós próprios. São as tábuas privadas das nossas leis. As escritas e as não escritas. Faltará qualquer coisa quando a nossa relação com eles for puramente electrónica.”
Geração – “Cada geração não é mestra de si mesma. Há sempre um ou dois que são um pouco as referências ou as pessoas que influenciam os outros. Ou porque são mais velhos ou porque são mais brilhantes.”
Poesia – “A grande poesia é aquela que, de repente nos oferece um mundo, no qual a vivência deste se altera em cores e dimensões não sonhadas. É a criação de um outro mundo que se acrescenta realmente ao nosso mundo visível. É isso e não os versos que são muito bonitos.”
Camões – “Tem uma percepção dos valores humanos que não é essa, tranquila e tranquilizadora, que a ortodoxia, a visão católica normal do mundo inculcava. Há já ali uma grande angústia. Apesar de ele ser o autor da nossa epopeia, há nele uma visão pessimista do mundo. É uma visão que anuncia várias coisas.”
Fernando Pessoa – “Não há questão nenhuma, ainda hoje, que nos interesse, que de uma maneira ou de outra não esteja na obra do Pessoa. (…) O Pessoa, se o releio, é sem a sensação de releitura. Se estou muito tempo sem o ler, torno a receber as mesmas impressões, os mesmos choques.”
Homem – “O Homem é um ser ficcionante. Independentemente do que seja o objecto dessa ficção. Nós estamos sempre ficcionando. A nossa relação com o real é uma relação imaginária.”
Escritor – “O que me interessa é o auto-retrato que cada um de nós traça escrevendo. Seja o que for. Nós não precisamos de psicanalista para nada. A gente dá-se. Vende-se. A escrita é realmente a escrita do nosso inconsciente. Uma pessoa não pode trair-se a si própria.”
Outro – “Eu próprio sinto que estou em dívida. Estou em dívida para com a Humanidade inteira, de qualquer modo.”
Gabriela Llansol – “É um caso. Penso que muito se falará dela no futuro. Provavelmente, será – penso eu – o próximo grande mito literário português. A escrita dela é fulgurante. Não há nada que se possa comparar àquilo. (…) Também ela, de uma maneira diferente do Pessoa, vem de um planeta estranho: é aquele mundo flamengo, aqueles Boschs, aquele misticismo renano, aquelas coisas complicadas que aparentemente têm pouco a ver connosco. Já tiveram, em tempos. É poesia da mais alta. Sem se oferecer imediatamente com esse valor da poesia.”
Gostar – “Não é obrigatório gostar da Gioconda. Mas é uma pena não gostar da Gioconda.”
Pérola – “Há um poema extraordinário do Goethe, em que ele conta que Jesus ia com os discípulos, lá na Galileia, e depararam com o cadáver de um burro exposto ao sol. Já só ossos. Os discípulos começaram a falar das orelhas e disto e daquilo, a brincar mais ou menos malevolamente com o pobre cadáver do burro. E Jesus disse-lhes: ‘Olhai para os dentes dele, brilham como uma pérola.’”

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