domingo, 10 de maio de 2009

A Bela Vista (Setúbal) lida por Vasco Pulido Valente

Um aviso
«No Bairro da Bela Vista, em Setúbal, construído em 1976, vivem à volta de 7000 pessoas. É, segundo o Diário de Notícias, a "zona mais multirracial" da cidade (africanos, ciganos, timorenses). Certamente por isso é também a zona com mais desemprego: no último trimestre o desemprego no distrito andava pelos 10,5 por cento (um número inquietante) e na Bela Vista por mais do dobro - 23,5 por cento. Como seria de esperar, também a taxa de escolaridade está muito abaixo do normal, porque ninguém estuda sem esperança de trabalho. O presidente da junta de freguesia também se queixa da falta de "equipamentos lúdicos", de "equipamentos de lazer" e do mau estado do "parque habitacional". Apesar de tudo, a criminalidade está "muito abaixo" da de outros bairros de Setúbal e as relações entre a população e a polícia têm sido normalmente "boas".
Mas já houve um caso de violência grave, em 2002, quando um agente matou a tiro um jovem e quinta-feira à noite, depois do enterro de outro jovem local também morto a tiro (desta vez no Alvor, pela GNR do Algarve), um grupo atacou a esquadra da polícia à pedrada e com cocktails molotov. Pior ainda: sexta-feira, a meio da tarde, um homem (com capuz) voltou a atacar a esquadra com uma caçadeira de dentro de um carro "em alta velocidade". A PSP não acha - e aparentemente com razão - que se trate de um gang organizado. Acha que o episódio, embora dramático, foi um acto da mesma natureza dos tumultos da véspera: um gesto de revolta contra a ausência de futuro e a miséria de uma geração.
O "Bispo Vermelho", ou seja, o bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, concorda. Numa declaração solene, avisou que um "incidente" desta natureza pode com facilidade "encontrar" uma "fogueira", "preparada para incendiar o país". D. Manuel não pensava, evidentemente, numa conspiração. Pensava na fome. "Sem pão", disse ele, "ou mato ou me mato". Não custa a imaginar que se comece por matar. O bispo emérito não é o primeiro a profetizar uma explosão brutal e generalizada, sem qualquer objectivo político e fora de qualquer partido. Sucedeu em França e sucedeu na Grécia; e Mário Soares não pára de prevenir que nada impede - e muita coisa indica - que venha a suceder aqui. Se o sistema de representação legal - o Parlamento, o Governo, o Presidente - deixa de facto de representar o povo ou parte dele (e não uso aqui a palavra demagogicamente), o que fica é, como de costume, a acção directa.»
Vasco Pulido Valente. "Um aviso". Público: 10.Maio.2009

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