sábado, 5 de dezembro de 2009

Diário da auto-estima (104)

Minaretes – O resultado referendário na Suíça a favor da proibição dos minaretes acabou por apanhar muita gente de surpresa. Afinal, os fundamentalismos vivem a Oriente, a Ocidente, no mundo islâmico como no europeu ou em qualquer outro. Educar, num mundo como este, é bem difícil, sobretudo quando estão em causa questões como a igualdade, a liberdade, a tolerância, o respeito pelo outro. De que serve falar-se disto se as decisões e as políticas apregoam outra coisa, se a sociedade se encaminha por vias como a suíça?
Insultos I – Apenas ouvi por momentos o debate da Assembleia da República numa estação de rádio. E chegou. O verbo anda muito por baixo naquele espaço e as convicções e os princípios não lhe ficarão atrás. O país assistiu ao enxovalho pelo vocabulário – “lançar lama e suspeição”, “actuação que degrada, (…) indigna, infamante” e que “não devia ter lugar”, “não saber o que é ter vergonha”, “comportamento impróprio”, recomendações a deputado do género “porte-se com juizinho”… Mas em que país estamos? Por vezes, rimo-nos de cenas de pugilato em parlamentos que vão sendo designados como “terceiromundistas”, mas o que nos separa dessas situações é pouco – naqueles, é pugilato físico; no nosso, é pugilato verbal.
Insultos II – Há dias, fui a uma escola para falar de Sebastião da Gama. Durante a sessão, destinada a várias turmas do secundário, os alunos de um grupo foram falando entre si, suscitando chamadas de atenção de alguns professores da escola e interrupções da minha apresentação. A dada altura, uma aluna desse grupo, aos berros, vira-se para um dos professores a contestar uma chamada de atenção quanto ao barulho que lhe tinha sido feita. Um pouco mais tarde, houve o toque da campainha, a assinalar o final de aula (que não o final da sessão) e a mesma aluna, com o gáudio dos que a acompanhavam, desatou a dizer que tinha de ir embora por causa do transporte e não sei que mais. Um dos professores, porque a sessão estava prestes a terminar, recomendou-lhe alguma calma e, novamente aos berros, a criatura responde: “Porquê? Vai levar-me a casa? Mas o que é isto?” e sai porta fora, perante o pasmo de quase todos e os sorrisos e algumas palmas cúmplices dos do seu grupo. A sessão acabou dali a minutos. Os professores desfizeram-se em desculpas. Um explicava-me que aquele grupo era de alunos que não queriam a escola, que só ali estavam porque houve a possibilidade de um curso profissional, que a posição habitual daqueles alunos relativamente à escola era aquela. Não estranhei e lá fui dizendo que conhecia a situação. O que me preocupa é que estes alunos poderiam ter visto o debate de que falei no parágrafo anterior (a força da agressão pela palavra e pelo falar mais alto, por exemplo) e continuariam a achar que os seus procedimentos foram os mais correctos; o que me preocupa é que, em nome do progresso e de outros valores, a escola pública vai ser, cada vez mais, o cadinho onde vão crescer grupos assim, que lá estarão obrigatoriamente até que concluam um qualquer 12º ano, originando que as condições de trabalho e de participação e aprendizagem dos outros e de todos nem sempre sejam as melhores. O que me custou foi ver que não há soluções para este tipo de atitudes, de provocação, de humilhação. Ah, esquecia-me de dizer, mas ainda vou a tempo: a cena não se passou numa escola degradada nem numa escola-problema de qualquer bairro socialmente desfavorecido, nem sequer na Margem Sul, não. E mais: apesar de poder parecer um caso isolado, resta saber se os casos isolados não serão tantos que não exijam medidas superiores para que o respeito e a educação façam parte da escola.

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