sábado, 4 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares na "Ler"

No número de Dezembro da revista Ler (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, nº 97), a habitual entrevista dirigida por Carlos Vaz Marques foi buscar Gonçalo M. Tavares, português, escritor, 40 anos, 27 livros publicados. Os sublinhados que seguem são de lá, alfabeticamente ordenados pelo tema a que dizem respeito, mas não respeitando a ordem da conversa havida. Algumas das ideias aqui expressas apresentou-as o escritor, na tarde de hoje, no encontro com leitores que aconteceu na Biblioteca Municipal de Palmela.
Camões -Os Lusíadas é uma obra tão central na língua portuguesa que é quase natural passar por lá. Seria acaso ou má sorte um escritor hoje não se cruzar com Os Lusíadas. Há inúmeros autores que de uma forma ou de outra se cruzam com Camões. É como se fosse uma praça central de uma cidade. E é tão central que temos obrigatoriamente de passar por aí. Quando estamos fascinados por qualquer coisa é natural querermos fazer algo em redor disso.”
Leitor - “Os leitores, quando entram numa livraria, escolhem um livro. Mas também acho que o livro escolhe os leitores. É muito importante o livro escolher os leitores. Não ser uma espécie de livro fácil, no sentido de que vai com todos.”
Linguagem - “A lógica da linguagem não tem nada a ver com a lógica da matemática. (…) A linguagem é sempre uma coisa que não dá resto zero. As frases não dão resto zero. (…) Há sempre mais qualquer coisa que se pode dizer.”
Literatura e ética - “Toda a gente está em diálogo. Só não o está quem não deu atenção mínima ao passado. Há quem escreva como se não existisse memória. Mas a conservação da memória é aquilo que distingue o homem do animal. Ou seja, os animais não conservam as coisas que as gerações anteriores fizeram. Nesse aspecto, a memória é uma marca humana extraordinária – a ideia de fazer o novo mas ao mesmo tempo conservar o que vem de trás e dizer: ‘Sou herdeiro destes extraordinários escritores que nos antecederam.’ É quase questão de responsabilidade literária e ética.”
Livro - “Um livro sério é um livro que quer interferir com as pessoas. É um livro que não é para aquela semana. Há aqui um combate muito forte com o mundo em que nós estamos – que já não é semanal nem diário, que com a internet é ao segundo, uma coisa quase brutal. Um dos grandes combates actuais é o combate entre a actualidade e o importante. (…) Estamos num mundo em que a questão do actual e do importante se joga minuto a minuto. O que quer dizer que se o actual é ao minuto, o não-actual é logo passado um minuto. O problema é que esta lógica da velocidade é uma lógica opressora. A grande velocidade é muito violenta.”
Memória - “Há uma coisa importante que tem a ver com uma certa responsabilidade de quem escreve. É uma responsabilidade humana: a questão da conservação da memória. A única hipótese de conservarmos o antigo é tornarmos o antigo presente. Acho que isso é uma responsabilidade do escritor: dar a sua atenção ao clássico.”
Pensar - “A boa narrativa pensa, é evidente, e o bom pensamento conta histórias. Pensar não é mais do que contar uma história que é a história de uma ideia. (…) O pensamento é a história de uma ideia. Alguém que pensa está a ter uma ideia que desenvolve ao longo do tempo. Portanto, essa ideia é como se fosse uma personagem que se vai transformando. Tem até opositores. A personagem-ideia tem sempre um inimigo, que é o contra-argumento. Pensar é uma narrativa.”
Século XX - “O século XX é um século que nos está a dizer que temos de estar atentos.”
Tédio - “O tédio é uma sensação muito importante. Se eu tivesse de aconselhar alguma coisa para a escola, em geral, seria que se ensinasse a lidar com o tédio. (…) Tenho muito medo das pessoas que não sabem lidar com o tédio. As pessoas mais desesperadas são aquelas que estão sempre a fugir do tédio. O tédio é uma coisa central, base. O que é o tédio? É um momento de espera em que aparentemente nada está a acontecer. É uma sensação de inutilidade. Mas a vida tem uma percentagem enorme de momentos em que nós estamos à espera. Se não soubermos lidar com isso, estamos a desperdiçar uma matéria fundamental.”

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