sábado, 31 de dezembro de 2011

2011 a largar o cais...

Quem vai enviando mensagens para esta quadra tem sempre o cuidado de dizer apenas “um bom ano”, por vezes acrescentando algo como “o melhor possível”. Ninguém quer arriscar muito, sobretudo depois da onda que já caracterizou por antecipação o ano de 2012 como depressivo para qualquer um de nós. É espantoso como o clima de medo quanto ao futuro se instalou, algo que os dirigentes deveriam ter evitado – se não souberam evitar que se tivesse chegado até aqui, pelo menos que evitassem aniquilar a esperança. A essa atitude não se chama “ser realista” nem “apontar a realidade”… haverá outros termos mais apropriados e igualmente tristes! Afinal, quem terá andado acima da realidade…
Por aí a circular anda a amostra de lagosta que se junta, pseudo-crustáceo para celebrar a entrada no novo ano… Vale a pena olhá-la – pelo que com uma cenoura se consegue iludir, pela sensibilidade para a arte, pelo retrato que se dá. A cenoura, pelo menos, tem a vantagem de “fazer os olhos bonitos”, como se costuma dizer, mesmo que o olhar possa ser ilusório!
O ano está a acabar… e que acabe com graça!



George Steiner e Cécile Ladjali: o prazer de ensinar

Em 2001, Cécile Ladjali publicava Murmures, antologia de poemas feitos pelos seus alunos de uma escola nos arredores de Paris. No ano seguinte, publicaria Tohu-Bohu, um texto dramático devido também à escrita dos seus alunos. Uma das particularidades do primeiro título resulta do facto de ter sido prefaciado por George Steiner e de ele mesmo ter acompanhado a feitura desse livro.
A aproximação entre Ladjali e Steiner levou a que, em 2003, surgisse uma obra resultante do diálogo dos dois, mantido em programa radiofónico, intitulada Éloge de la transmission – Le maître et l’élève, mais tarde reeditada no formato de bolso (Col. “Pluriel”. Paris: Hachette, 2007).
Se a ideia do livro é interessante, mesmo porque não se está perante uma simples entrevista, mas em presença de uma conversa, já o facto de o prefácio, da autoria de Ladjali, ocupar quase um terço do volume é algo fastidioso, ainda que com interesse para o leitor perceber a relação estabelecida entre esta professora, Steiner e os seus alunos. Assim, o leitor tem necessidade de chegar rapidamente ao diálogo entre os dois intervenientes, segmentado em sete capítulos: “Éloge de la difficulté”, “Créer à l’école”, “Grammaire”, “Le professeur”, “Les maîtres”, “Les classiques” e “Dans la classe”.
O que serve de pretexto a Ladjali é a experiência vivida com os seus alunos no projecto da escrita e de leitura de clássicos, sendo equacionado o papel do professor, bem como a recepção dos alunos. Da conversa entre estes dois interlocutores, ficam pistas para reflexão e peças para um “puzzle” que mais não é do que o desafio de ser professor, algumas delas aqui apresentadas por ordem alfabética do tema:

Clássicos – «Il n’est pas si facile de comprendre comment s’opère la transmission et pourquoi des textes millénaires  n’ont rien perdu, pour certains, de leur provocation et de leur vitalité, de leur puissance de choc. Mais le classique peut aussi naître aujourd’hui. (…) Un classique survit à toutes les bêtises.» (GS)
Ensinar – «Goethe a dit: “Celui qui sait faire fait. Celui qui ne sait pas faire enseigne!” Et j’ajoute: “Celui qui ne sait pas enseigner écrit des manuels de pédagogie.”» (GS)
Falar – «Parler, c’est respirer, c’est le souffle de l’âme. La parole est l’oxygène de notre être. (…) Chaque cliché est la morte d’une possibilite vitale, chaque belle métaphore ouvre littéralement des portes sur l’être.» (GS)
Função do professor - «Quelle pourrait être, de nos jours, la fonction du professeur?» (CL) «Un certain martyre. Sans aucun doute, il y a des difficultés, des souffrances, des collapses. (…) J’ai toujours dit à mes élèves: “On ne négocie pas ses passions. Les choses que je vais essayer de vous présenter, je les aime plus que tout au monde. Je ne peux pas les justifier. (…) Si l’étudiant sent qu’on est un peu fou, qu’on est possedé par ce qu’on enseigne, c’est déjà le premier pas. Il ne sera pas d’accord, peut-être va-t-il se moquer, mais il écoutera. C’est le moment miraculeux où le dialogue commence à s’établir avec une passion. Il ne faut jamais essayer de se justifier.» (GS)
Imagem da Escola – «Une très grande place accordée aux classiques et à l’apprentissage par cœur, une manière presque physique d’ingérer une culture pour mieux la vivre et, au centre de l’édifice, la figure du maître.» (GS)
Literatura – «Ce qui compte avant tout, c’est l’étonnement, l’espèce de transe qui nous prend quand on est mis en contact avec l’étrange et le merveilleux. C’est terriblement didactique tout ça.» (CL)
Mestre – «C’est tout simplement quelqu’un qui a une aura quasi physique. La passion qui se dégage de lui est presque tangible. (…) Celui dont même l’ironie vous donne une impression d’amour.» (GS)
Resultados – «Nos élèves sont terriblement pragmatiques, ils veulent constater des résultats tout de suite.» (CL)
Segunda língua – «On devrait depuis la première enfance, enseigner une autre langue. Depuis la toute première enfance, l’enfant devrait avoir deux langues, ce qui rend impossible une certaine étroitesse d’âme, un certain dédain pour autrui. Mais c’est un idéal, une utopie.» (GS)
Silêncio – «Rien n’est devenu plus luxueux aujourd’hui que le silence.» (GS)
Sonhos I – «C’est dans les premières années du secondaire que se joue le drame le plus complexe, qui est celui de faire croire à l’enfant qu’il y a des rêves, des transcendances éventuelles possibles.» (GS)
Sonhos II – «Si nous ne pouvions rêver – et rêver est une forme de futurité –, il n’y aurait vraiment que la clôture de la brieveté et de la médiocrité de nos petites vies personnelles.» (GS)


E, a rematar: que recompensa possível para um professor? Responde e pensa Steiner, recorrendo ao exemplo da sua vida de mestre: «Il peut donner une terrible aigreur, mais il y a une récompense suprême, qui est de rencontrer l’élève beaucoup plus doué que soi-même, qui va avancer bien au-delà de soi-même, qui va peut-être créer l’œuvre qu’un prochain enseignant va enseigner. Ça m’est arrivé quatre fois dans ma vie. C’est énorme comme chiffre sur cinquante ans d’enseignement. Quatre fois, c’est déjà beaucoup. Ça, je vous jure, c’est une récompense infinie.»

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Mendes de Carvalho e um "país à beira-mar plantado"

Foi por meados da década de 1970 que, numa carrinha das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Gulbenkian, conheci a sátira de Mendes de Carvalho (1927-1988), através do livro Poemas de Ponta & Mola. Ficou-me sempre este título pela expressividade, pela imagem adequada ao tom satírico utilizado.
Hoje, passeando o olhar por uma banca de livros em segunda mão, prendeu-me a atenção uma antologia da sua obra, Satírica (Lisboa: Círculo de Leitores, 1974), que reúne os livros Camaleões & Altifalantes (1963) e Cantigas de Amor & Maldizer (1966), com alguns poemas, à data inéditos, do que viria a ser Poemas de Ponta & Mola (1975).
Num relance, revivi o prazer com que, há três décadas, descobri Mendes de Carvalho e atirei-me ao livro, ainda por cima a preço de pechincha.
Não pude, claro, deixar de visitar esta escrita. E, porque estamos em maré de pensar o país que somos, ainda que com laivos de emigração à mistura, trago para aqui o “País à beira-mar plantado”, saído no segundo dos livros indicados. Vale a pena ler, é um (bom) retrato…

Mendes de Carvalho, in Cantigas de Amor & Maldizer (1966)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Eduardo Lourenço: a Europa, a esperança, a aldeia

A propósito da atribuição do Prémio Pessoa, a revista “Atual”, do Expresso saído na 6ª feira, publicou entrevista a Eduardo Lourenço, conduzida por Rosa Pedroso Lima e por Valdemar Cruz. Nos seus 88 anos, Eduardo Lourenço continua a reflectir sobre o nosso mundo, sobre o nosso mundo que nos cerca. São excertos dessa entrevista que se reproduzem.
Crise – “A Humanidade tem muitas maneiras de se definir. Ninguém pode viver sem esperança. A esperança é uma componente do que é cada ser humano. Sempre tivemos uma visão muito eurocêntrica, mas agora estamos a entrar num pessimismo em relação à Europa. É a famosa crise. Todo o discurso, na componente económica ou financeira, é da ordem do apocalíptico. Estamos à beira do abismo. É verdade que a situação não é boa, mas este continente ainda hoje é o de maior bem-estar em todo o globo. Não há razão para que os europeus desatem a autoflagelar-se.”
Europa – “A Europa comunitária foi construída sob pressupostos negativos: a ideia de servir de tampão entre os EUA e o Bloco de Leste. Uma ideia dos EUA que nos deixou entre parêntesis. No dia em que Muro de Berlim saltou, a Europa ficou sem projecto. (…) A Europa não tem nenhuma espécie de ideologia que a mova para que lhe possa fornecer um sentido do seu próprio projecto.”
Virtual – “Pela primeira vez, vivemos num mundo ao mesmo tempo mais materialista no sentido antigo do termo e mais virtual. A novidade, agora, é que a virtualidade é mais importante que a materialidade. Nesse capítulo, continua a ser um mundo humano. Só os homens são capazes de inventar algo que não existe.”
Juventude – “Neste momento, o problema crucial do mundo é que uma parte da juventude, pela primeira vez, não tem esperança. Não chega a entrar na vida. Pode sair dela sem ter entrado na vida. Isto é novo no Ocidente. Isto é espantoso.”
Aldeia – “Só há aldeias. Porque mesmo as pessoas que vivem nos grandes meios escolhem sempre um canto que lhes serve de aldeia. A aldeia é um conjunto de casas. E no meio das casas há a casa. E nós só precisamos de viver numa casa. O problema é aqueles que sabem isso e que não têm casa.”

António Oliveira e Castro: "Tambwe" ou o mundo pelos olhos de Eugénio

O mais recente romance de António Oliveira e Castro, Tambwe – A unha do leão (Lisboa: Gradiva, 2011), com ilustrações de Nuno David, é uma história que prende o leitor ao trajecto de uma personagem como Eugénio, figura que, ora procura a morte, ora assume o seu trajecto sozinho, ora peregrina até às raízes. A história é intensa e o leitor é convidado a passar por paisagens diversas, europeias (Portugal, França) ou africanas (Angola), por corredores diversificados de uma sociedade que nem sempre se rege pelos melhores princípios, convivendo com figuras da baixa política, com revolucionários, com mercenários, e tendo momentos de paragem, também fortes, em pensares de tempos de solidão ou em reflexão com figuras que constroem e se alojam na identidade.
É uma história dramática, em que o narrador dialoga com o leitor, tentando convencê-lo da verosimilhança das situações e levando-o a pensar a actualidade, o papel da política, o encaminhamento do mundo, o ser cidadão. É uma história dolorosa, com desvios e demandas, mortes e utopias, caos e ordem, poesia e horror, em que a liberdade e a prisão coexistem e a fragilidade do mundo e dos sistemas é posta à prova. É a história de uma solidão sempre e sempre testada, numa fuga ao tormento.
Sublinhados
Palavras – “As palavras, por maior que seja o seu conteúdo, não têm peso, sustentam-se de aparentes levezas, da aragem dos êxtases.”
Mistério – “Nem sempre o universo do homem se pode resumir ao encontro com a razão, na equação entram outras incógnitas, indecifráveis e misteriosas.” 
Faltas – “O que mais há na terra é paisagem e o que mais falta é o amor.”
Escrever – “Nenhum escritor escreve sobre acontecimentos insignificantes, procura sempre o lado sombrio, sujo, sanguinolento, colérico e escondido do Homem; descreve os campos de batalha onde se fuzilam os inocentes e assinam acordos de paz com os generais; o artífice da palavra relata, com a emoção de que é capaz, a loucura dos heróis, o medo dos cobardes; leva-nos até aos que jazem, na agonia da morte, debruçados sobre a terra que lhes escuta o lamento; faz-nos tropeçar nos corpos dilacerados que se espalham sobre os degraus dos edifícios em ruínas.”
Amor – “O amor é um fenómeno muito mais complexo que a morte; enquanto um regenera, o outro remete para o esquecimento.”
Vida – “Mesmo a vida mais verdadeira não passa do resultado do acaso, a que só a fé dos homens confere normalidade.”
Gerações – “O mundo acaba apenas para velhos que já não são capazes de se transformar, continua para os jovens generosos e sonhadores, que precisam de mudança.”
Futuro – “Nada, nada mesmo, obedece à lógica; apenas a aventura, o perigo, o risco, o sucesso imprevisto comandam o futuro.”
Castigo – “Os castigos são sempre subjectivos. Dependem de quem está no poder. Herói se vencer, traidor se for derrotado.”
História – “A história despreza os seus actores, reescreve-lhes o drama a seu bel-prazer; a qualquer instante pode matar num jogo de contradições, de paradoxos, de ironias, de injustiças; oportunista, caminha sobre uma estrada de cadáveres.”
Guerra – “A guerra não distingue os homens; tanto se lhe dá que sejam honestos ou assassinos, jovens ou velhos, pouco lhe importa que se encontrem exaustos ou frescos. Aliás, a violência tem especial predilecção pelos mais incautos, pelos mais fracos.”
Actor – “Apenas quando encarnam personagens que um qualquer dramaturgo inventou, os actores são belos, sedutores, insuspeitos, assim que abandonam o palco e a ribalta regressam à miserável condição humana que os agasalha.” 
Pátria – “Para que precisamos de nações? Os cidadãos precisam é de paz!”
Povo – “A história dos povos tem as suas regras, o seu tempo lento, mas as mudanças são muito mais definitivas quando a violência da guerra se torna conselheira da razão e das emoções.”
Trincheira – “Nas trincheiras, sempre morreram os jovens crédulos, cadáveres  condecorados com a crueldade do martírio. Indiferentes à hecatombe, os proprietários da pátria, latifúndio com milhares de hectares, que fazem crer ser também nossa, oferecem-nos o privilégio de lhes amanharmos o solo, de lhes produzirmos a riqueza.”
Horizonte – “A dimensão dos homens vê-se para onde olham, se para o umbigo, se para a montanha.”
Ambição – “Os homens, quando guiados apenas pela ambição, perdem a noção da realidade, escutam o umbigo quando tudo à volta se desmorona.”

sábado, 24 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quando os políticos se "marimbam"... ou a nova face da piadola

Num jantar em Castelo de Paiva, o deputado socialista Pedro Nuno Santos terá apresentado pérolas como esta, transcrita da edição online do Público: “Estou a marimbar-me que nos chamem irresponsáveis. Temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e franceses. Essa bomba atómica é simplesmente não pagarmos”. Ou esta: “Se não pagarmos a dívida e se lhes dissermos as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. Ou ainda esta: “A primeira responsabilidade de um primeiro-ministro é tratar do seu povo. Na situação em nós vivemos, estou-me marimbando para os credores e não tenho qualquer problema enquanto político e deputado de o dizer. Porque em primeiro lugar, antes dos banqueiros alemães ou franceses, estão os portugueses”.
Todos percebemos que este discurso cheira a demagogia que tresanda e o deputado tornou-se célebre por estas tiradas que uma rádio local captou e a que as cadeias nacionais deram eco. Coisas normais depois de uma refeição com amigos, mas não tão próprias quando se trata de alguém com responsabilidades políticas num partido que teve (tem) responsabilidades nacionais e na situação a que se chegou e que, ainda por cima, invoca o seu estatuto para afirmar “não ter qualquer problema em dizer” o que disse…
Mas mais ridículo é ouvir o deputado a explicar na rádio que não foi aquilo que disse, que o que quis dizer foi que Portugal tinha de exigir a negociação da dívida, etc., etc., etc., e que aqueles minutos de “marimbamento” eram apenas um excerto de mais longo discurso que daria para entender que não se estaria a marimbar assim tanto… E ainda mais rebuscada foi a explicação de literatice que o líder da bancada socialista, Carlos Zorrinho, veio dar – aquilo foi “uma imagética forte para expressar de forma caricatural a ideia de que devemos pagar a dívida obviamente”!
Detesto que nos queiram fazer passar por parvos e estas explicações são ainda mais ridículas à medida que se sobrepõem… Digam ao senhor que as declarações foram infelizes, que o seu estatuto lhe permite a liberdade (a nós também) mas não lhe permite liberdadezinhas e que, de facto, um deputado não se pode “marimbar” para tudo o que o senhor disse que se “marimbava”… Imagino já os banqueiros a tremerem ou a rirem-se da piadola!...

Orfeu, a livraria portuguesa de Bruxelas

A edição da revista Tempo Livre deste mês (Lisboa: Inatel, Dezembro.2011, nº 232) traz, com a assinatura de Humberto Lopes, a história da livraria Orfeu, "a única livraria portuguesa na região do Benelux", com sede em Bruxelas, actualmente gerida por Joaquim Pinto da Silva. A peça conta a intervenção cultural que tem sido marca daquela livraria, um projecto que foi começado há 25 anos por Fernando Gandra, escritor que adoptou Setúbal para se fixar.



António Oliveira e Castro em entrevista

O Setubalense: 14.dezembro.2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Luiz Pacheco biografado

Encontrei-me no final do dia com esta biografia de Luiz Pacheco (Puta que os Pariu - A Biografia de Luiz Pacheco. Lisboa: Tinta-da-China, 2011), devida a João Pedro George. Trouxe-a, ansioso por nela entrar. Ainda só li a "Introdução", mas fiquei à espera de assunto sério, de um percurso como o Pacheco merece, mesmo pela literatura, sobretudo pela literatura. Será uma leitura para estes dias, entre outras, pelo meio de outras.
A "Introdução" abre com uma verdade perfeita sobre o biografado: "Luiz Pacheco era capaz das loucuras mais desapiedadas, mas também de actos de grande generosidade. Pessoa cheia de contrastes, de oscilações e de incoerências, tinha uma enorme facilidade para relacionar-se com os outros e, depois, para cortar relações."
Polémico, sempre polémico, era assim Luiz Pacheco. Conheci amigos dele nas circunstâncias desta abertura. Tive a sorte de o ter conhecido para além da escrita e de termos construído cavaqueira em várias tardes. Também por isso o quero reencontrar.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Rui Serodio homenageado em poemas

Já cerca de um mês e meio passa sobre o desaparecimento de Rui Serodio (1937-2011), o compositor, pianista e maestro que Setúbal se habituou a ouvir numa interpretação musical fora do comum, associada a um feitio, atenção e disponibilidade exemplares. Já palavras foram ditas, já sentimentos se atropelaram na reflexão sobre a vida, sobre a amizade e sobre a memória, vindos a propósito deste homem que legou marcas de apreço e de gosto nos passos que deu.
Uma homenagem mais surgiu, desta vez partindo dos alunos da Oficina de Poesia da UNISETI, num opúsculo antológico intitulado Homenagem ao Maestro Serodio, que reúne vinte e quatro colaborações, quase totalmente poéticas, assinadas por Alexandrina Pereira, Eduarda Gonçalves, Alberto Dias, Anna Netto, Arnaldo Ruaz, Beatriz Estrela, Berta Duarte, Carmo Branco, Carmo Súcia, Célia Peixinho, Conceição Portela, Custódia Procópio, Francisco Pratas, Henrique Mateus, João Santiago, Kina Viegas, Lucinda Neves, Maria de Fátima Santiago, Maria Filomena Lopes, Maria Helena Barata, Maria Helena Freire, Maria Sol, Suzete Pereira e Viriato Horta.
Em comum, todos estes poetas cultivam a saudade, a dor da ausência, a lembrança dos momentos felizes, o afecto das sonoridades, a eloquência da música do homenageado, a marca humana que ficou. Em comum, muitos dos poetas se remetem para um próximo encontro enquanto outros tentam adivinhar uma forma de estar no paraíso, maneira de estender o afecto até ao além. É uma homenagem em palavras como podia ser em notas ou acordes ou apenas numa conversa com a eternidade.
A título de exemplo, aqui fica o sentir de Maria Helena Barata:

O rio enfureceu-se.
O céu chorou.
As gaivotas soluçaram.
A música não mais parou
e lá estavam os arcanjos
soletrando os acordes
que o Maestro preparou.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Para a agenda - António Oliveira e Castro: um convite para se saber o que andava o herói a fazer por Paris e por outros lados do planeta

A dado passo da narrativa, regista: “Nenhum escritor escreve sobre acontecimentos insignificantes, procura sempre o lado sombrio, sujo, sanguinolento, colérico e escondido do Homem; descreve os campos de batalha onde se fuzilam os inocentes e assinam acordos de paz com os generais; o artífice da palavra relata, com a emoção de que é capaz, a loucura dos heróis, o medo dos cobardes; leva-nos até aos que jazem, na agonia da morte, debruçados sobre a terra que lhes escuta o lamento.”
E, num outro passo, o leitor pergunta qual o sentido da personagem em Paris, vagueando sem ser em passeio, refugiando-se, escondendo-se, procurando-se… numa história intensa, num viajar na personagem até ao âmago, acompanhando, de novo, o narrador, que exige a nossa conivência: “Apenas nós sabemos que Eugénio é um homem imprevisível, contra quem resulta infrutífera qualquer táctica, falível a mais elaborada estratégia; apenas nós sabemos (…) que mesmo a vida mais verdadeira não passa do resultado do acaso, a que só a fé dos homens confere normalidade.”
Personagem de sonhos, de contrastes, de forças e de tempos este Eugénio que surpreende em cada página de Tambwe – A Unha do Leão (Lisboa: Gradiva, 2011), de António Oliveira e Castro!
No sábado, 3 de Dezembro, na Culsete, em Setúbal, o autor e esta obra vão ser apresentados por Fernando Gandra, enquanto o actor José Nobre lerá excertos da narrativa. É um bom pretexto para se sentir convidado!

António Oliveira e Castro (n. 1951), a residir em Setúbal, teve já a sua incursão pela poesia, de que é exemplo o título Houve mesmo um dia de desespero em que se cultivaram campos de cicuta (Col. “Caminho da Poesia”. Lisboa: Editorial Caminho, 1985), mas, nos últimos anos, é a faceta de contador de histórias que o tem atraído, tendo publicado o romance A especiaria (Col. “Tempos Modernos”. Lisboa: Guerra e Paz, 2008) e este que agora vai ser apresentado.