sábado, 4 de maio de 2013

Máximas em mínimas (97) - João Tordo


Depois de ler O bom inverno (Dom Quixote, 2010), de João Tordo, um lote de máximas, organizadas por ordem alfabética e não pela ordem em que aparecem no livro.

Cronologia – “Existem, na verdade, razões para explicar como as coisas [acontecem] e, se existem razões, é possível ordená-las numa cronologia. Porém, tal como no funcionamento do universo, o todo raramente corresponde à soma das partes.”
Desgraça – “Talvez, no fundo, toda a gente leve a desgraça no rosto. (…) Alguns de nós andam por aí com as marcas da sua finitude à mostra e outros, embora pareçam não as ter, estão tão condenados como os primeiros.”
Destino – “Pergunto-me muitas vezes como é possível que o destino nos pareça um conceito plausível quando este mundo é uma panóplia de erros que conduzem aos piores horrores. Usamos o destino como álibi, crendo, ingénuos, que as coisas acontecem de certa maneira porque não poderiam acontecer de outra; essa crença, tão válida como a crença em Deus ou na imortalidade da alma, tem consequências terríveis para o espírito que, mais cedo ou mais tarde, se vê corrompido pela dúvida que tem origem na impossibilidade de sabermos, com qualquer grau de certeza, se as nossas decisões nos trarão paz ou, pelo contrário, irão acordar as bestas do Inferno; se, doravante, teremos de caminhar pelo mundo com a cabeça voltada ao contrário como um contrapasso de Dante.”
Dor – “Mesmo imaginada, uma dor continua a ser uma dor; está lá quando nos deitamos à noite, está lá antes do pequeno-almoço.”
Existir – “Se não estivermos muito preocupados com a existência, tendemos a ser mais racionais. Ou menos sujeitos aos nossos impulsos. A vida torna-se menos dolorosa.”
Imundície – “Há sempre quem compre coisas imundas, embora não haja sempre quem compre coisas belas.”
Inveja – “Não existe pior mistura de sentimentos neste mundo do que o ciúme, a inveja e a admiração; é uma trindade tão perigosa que pode levar um homem a ascender ao Céu ou a lançar-se de um penhasco até ao mais profundo dos Infernos.”
Medo – “O medo transforma-nos, faz de nós presas fáceis, mergulha-nos num torpor pesado e ruminante.”
Palavra – “As palavras têm o seu poder sobre as pessoas. Se forem as palavras certas, podem mover montanhas. Ou transformar a água em vinho.”
Saber – “Não é possível saber tudo. Existem certos momentos que, se não os vivermos, são impossíveis de resgatar através de outros.”
Sarilhos – “Há um limite para a quantidade de sarilhos em que uma pessoa se pode meter.”
Solidão – “A ausência, a solidão e o esquecimento [são] coisas terríveis, tão terríveis como a mutilação ou a morte de um filho, tão terríveis como um velho amigo ao qual nunca mais ouviremos a voz nem conheceremos o cheiro nem saberemos a cor dos olhos, tão terríveis que, mesmo nos livros, até nos romances mais pessimistas, não devemos chamar por elas, não devemos enaltecê-las ou tentar transformá-las em beleza.”
Surpresa – “A última coisa que uma besta espera é que a presa se meta no seu covil.”

Verdade – “A verdade é uma miragem tragicamente limitada pela condição humana. Ainda assim, a verdade é tentada vezes sem conta.”

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