quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Duas marcas da prática política no nosso país


1) «Em matéria de reformas sou licenciada já assisti a reformas do ensino da linguagem da administração do vocabulário dos costumes e sei lá que mais e só uma coisa é certa essa coisa é que “atrás de reforma vem reforma” tão certo como dois e dois serem quatro e que para reformar não há como os portugueses que reformam rerreformam e rerrerreformam e está tudo sempre a pedir reforma enfim como já percebi que a reforma é a vocação natural da Pátria (…) sento-me na minha cadeira e deixo-as passar porque as reformas são como o vento passam sempre até vir outra mais tarde ou mais cedo embora para dizer a verdade venham quase sempre mais cedo.»

2) «Está tudo na mesma e estar tudo na mesma quer dizer que os partidos não se entendem e os partidos não se entenderem é estarem a ter conversas uns com os outros para depois mandarem comunicados a dizer que não se entendem eu cá por mim acho que eles podiam poupar as línguas eliminando as conversas e mandando logo os comunicados sempre se poupava papel nos jornais e sempre se poupava a nossa paciência que está a rebentar.»

Os leitores mais atentos reconhecerão o estilo: as redacções da Guidinha, essa personagem criada pelo Luís de Sttau Monteiro (1926-1993), que compunha crónicas humorísticas e apimentadas sobre os hábitos sociais, lidas avidamente no Diário de Lisboa ou em O jornal. Os dois excertos que apresento mantêm-se oportunos, apesar de terem data: ambos foram publicados em O jornal, o primeiro em 22 de Junho de 1979 e o segundo em 8 de Setembro de 1978. Isto é: 35 anos não alteraram algumas práticas políticas do nosso país!
Algumas crónicas da Guidinha podem ser lidas em Redacções da Guidinha (Lisboa: Areal Editores, 2003), que recolhe uma selecção de algumas saídas no Diário de Lisboa entre 1969 e 1970, e em A Guidinha antes e depois (Lisboa: "O Independente", 2004), compilação de vários textos surgidos entre 1972 e 1979 em ambos os jornais.

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